Por Dr. Daniel Marinho, Jurista e Especialista em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas – FGV
1. INTRODUÇÃO: A MATRIZ CONSTITUCIONAL E A TELEOLOGIA DA NORMA ISENTIVA
O sistema tributário nacional, embora precipuamente estruturado para o financiamento das atividades estatais através da arrecadação compulsória, opera simultaneamente como um sofisticado instrumento de política social e redistribuição de renda. Neste contexto, a isenção do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) concedida a aposentados, pensionistas e militares inativos portadores de moléstias graves transcende a mera renúncia fiscal; ela materializa, no plano infraconstitucional, os vetores axiológicos da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88) e da capacidade contributiva (art. 145, §1º, CF/88).
A mens legis subjacente ao artigo 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713/1988 é inequívoca e de cunho humanitário. O legislador pátrio reconheceu que o contribuinte acometido por enfermidades de alta gravidade, cronicidade ou letalidade experimenta uma drástica redução em sua disponibilidade econômica real. Os recursos que, em situações de normalidade, seriam vertidos aos cofres públicos a título de imposto sobre a renda, devem, imperativamente, ser preservados no patrimônio do cidadão para custear tratamentos médicos onerosos, fármacos de alto custo, acompanhamento multidisciplinar e eventuais adaptações em sua rotina de vida. Portanto, a isenção não configura um privilégio odioso, mas uma medida de justiça fiscal que busca equalizar o sacrifício tributário, impedindo que o Estado onere a subsistência de quem já se encontra fragilizado pela doença.
Todavia, a aplicação prática deste comando legal tem sido historicamente marcada por uma tensão dialética entre o Fisco — voraz na interpretação restritiva das normas de isenção, amparado na literalidade do art. 111 do Código Tributário Nacional (CTN) — e os Contribuintes, que buscam no Poder Judiciário a efetivação de seus direitos fundamentais. É dever do advogado tributarista navegar por este cipoal hermenêutico, compreendendo não apenas a letra fria da lei, mas a evolução dinâmica da jurisprudência.
Neste estudo aprofundado, dissecaremos o atual panorama jurídico da isenção por moléstia grave. Analisaremos a taxatividade do rol de doenças, a superação do dogma da “reforma” para militares através da jurisprudência administrativa da PGFN, a pacificação quanto à desnecessidade de contemporaneidade sintomática pela Súmula 627 do STJ, e, crucialmente, o novo paradigma processual inaugurado pelo Tema 1373 do STF, que redefine o acesso à justiça tributária.
2. O ARQUÉTIPO NORMATIVO: ARTIGO 6º, XIV DA LEI 7.713/88
Para compreender a extensão do benefício, impõe-se uma análise detida do texto legal que lhe dá suporte. A Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, ao alterar a legislação do imposto de renda, estabeleceu em seu artigo 6º um rol de rendimentos isentos, dentre os quais se destacam os proventos de inatividade percebidos por portadores de patologias específicas.
2.1. A Natureza Jurídica dos Rendimentos Abarcados
A isenção possui natureza mista: é objetiva quanto à origem dos rendimentos e subjetiva quanto à condição do contribuinte. O benefício restringe-se, exclusivamente, aos proventos de aposentadoria ou reforma (no caso de militares) e aos valores recebidos a título de pensão.
É crucial sublinhar que a norma isentiva não alcança os rendimentos decorrentes de atividade laboral ativa. Um contribuinte que, a despeito de diagnosticado com uma neoplasia maligna, permaneça na ativa ou continue a exercer atividade econômica remunerada, não gozará da isenção sobre os salários ou honorários percebidos. A ratio do benefício é a proteção do inativo, pressupondo-se que a doença grave compromete a capacidade de gerar novas riquezas, justificando a desoneração dos proventos previdenciários que substituem a remuneração laboral.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou entendimento, no julgamento do REsp 1.814.919/DF, de que não é possível estender a isenção aos trabalhadores em atividade, sob pena de atuar o Judiciário como legislador positivo, violando a reserva legal em matéria tributária. Assim, o advogado deve orientar seu cliente: a isenção recai sobre o benefício previdenciário (INSS, RPPS ou Previdência Privada), mas não “contamina” positivamente outras fontes de renda ativa.
2.2. A Previdência Complementar (PGBL e VGBL)
Um ponto de inflexão recente na doutrina e jurisprudência diz respeito aos planos de previdência complementar. Historicamente, a Receita Federal do Brasil (RFB) defendia que o resgate de valores de planos como o VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre) teria natureza de aplicação financeira, e não previdenciária, devendo ser tributado.
Entretanto, o STJ, em decisões paradigmáticas (incluindo o raciocínio aplicado no Tema 1037 e julgados da Segunda Turma), consolidou a tese de que tanto o PGBL quanto o VGBL possuem caráter previdenciário complementar. Se a finalidade desses planos é garantir uma renda na inatividade, o resgate desses valores por um portador de moléstia grave deve ser equiparado aos proventos de aposentadoria para fins de isenção.
O Ministro Mauro Campbell Marques, ao relatar o tema, foi assertivo: a distinção técnica entre a forma de tributação do PGBL e do VGBL não pode suprimir a proteção legal conferida ao doente grave. Se há isenção para o recebimento parcelado (renda mensal), deve haver isenção para o resgate único, pois a natureza da verba (poupança previdenciária) é idêntica. Este entendimento expande significativamente o planejamento tributário para clientes com grandes aportes em previdência privada, permitindo o levantamento desses valores sem a mordida do Leão, que poderia chegar a 27,5% ou às alíquotas regressivas definitivas.
3. O ROL NOSOLÓGICO: UMA ANÁLISE CLÍNICA E JURÍDICA DAS MOLÉSTIAS
O cerne do Artigo 6º, XIV reside no rol de patologias elegíveis. A jurisprudência do STJ (Tema 250) definiu que este rol é taxativo (numerus clausus), o que impede a concessão da isenção para doenças não listadas, por mais graves que sejam (ex: Alzheimer não listado explicitamente, embora frequentemente enquadrado como Alienação Mental). Contudo, a interpretação das doenças listadas comporta extensividade.
Abaixo, apresentamos uma análise pormenorizada das patologias, confrontando o termo médico com a hermenêutica jurídica aplicada:
Tabela de Patologias e Nuances Jurídicas
| Moléstia (Termo Legal) | Interpretação Jurídica e Desafios Probatórios |
| AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) | A lei refere-se à Síndrome. Contudo, a jurisprudência moderna tende a conceder a isenção aos portadores do vírus HIV, mesmo assintomáticos, em razão do estigma social, da necessidade de medicação antirretroviral contínua e dos efeitos colaterais do tratamento. A distinção entre “portador do vírus” e “doente de AIDS” tem se tornado tênue para fins fiscais. |
| Alienação Mental | Termo jurídico, não médico. Abrange quadros de demência, esquizofrenia, transtorno bipolar severo, paranoia e outras psicoses que comprometam a vida civil. É comum o enquadramento da Doença de Alzheimer neste item, dada a perda cognitiva irreversível que acarreta. |
| Cardiopatia Grave | Um dos campos de maior litigância. A qualificação “grave” é essencial. Hipertensão arterial sistêmica, isoladamente, não gera isenção. Exige-se prova de limitação funcional severa (ex: insuficiência cardíaca classes III ou IV da NYHA), risco de morte súbita ou necessidade de intervenções cirúrgicas complexas. Pacientes com marca-passos ou stents frequentemente obtêm o benefício sob o argumento de que a gravidade é latente e controlada artificialmente.1 |
| Cegueira | O termo é genérico. A jurisprudência consolidou que abrange tanto a cegueira binocular quanto a monocular. A perda de visão em apenas um olho é considerada moléstia grave suficiente para a isenção, dado o comprometimento sensorial e a exigência de cuidados adaptativos. |
| Contaminação por Radiação | Hipótese rara. Exige comprovação de exposição a fontes radioativas e nexo causal com a enfermidade desenvolvida. |
| Doença de Paget (Osteíte Deformante) | A lei exige “estados avançados”. Trata-se de uma doença óssea crônica. A prova pericial deve atestar não apenas a doença, mas o estágio de evolução. |
| Doença de Parkinson | A simples diagnose é suficiente, dado o caráter progressivo, degenerativo e irreversível da enfermidade neurológica. |
| Esclerose Múltipla | Assim como o Parkinson, o diagnóstico confirma o direito, independentemente da presença de surtos ativos no momento do requerimento, devido à natureza autoimune e imprevisível da doença. |
| Espondiloartrose Anquilosante | Doença inflamatória crônica que afeta a coluna vertebral. Não se confunde com artrose comum (osteoartrose) ou hérnias de disco, que, embora dolorosas, não estão no rol taxativo. O diagnóstico preciso é vital. |
| Hanseníase | Historicamente incluída por razões de saúde pública. Mesmo curada, se deixar sequelas graves, justifica a manutenção da isenção (paralisia, etc.). |
| Nefropatia Grave | Insuficiência renal crônica, especialmente em pacientes dialíticos. Transplantados renais mantêm o direito à isenção? A jurisprudência majoritária entende que sim, pois o transplante não é uma “cura” definitiva, mas uma terapia substitutiva que exige imunossupressão vitalícia e monitoramento constante. |
| Hepatopatia Grave | Cirroses hepáticas, hepatites fulminantes ou crônicas com comprometimento severo da função hepática. O critério de gravidade segue a lógica da cardiopatia (classificação de Child-Pugh pode ser usada como parâmetro probatório). |
| Neoplasia Maligna | Câncer. Abrange todos os tipos de tumores malignos (carcinomas, sarcomas, leucemias, linfomas). Inclui desde melanomas agressivos até carcinomas basocelulares de pele (embora a RFB por vezes conteste estes últimos, o Judiciário reconhece a malignidade). A retirada do tumor não cessa a isenção, conforme veremos na Súmula 627. |
| Paralisia Irreversível e Incapacitante | Deve cumular os dois atributos. Paraplegia, tetraplegia, sequelas motoras graves de AVC. A incapacidade deve ser para a vida laboral e civil, não necessariamente uma imobilidade total (ex: perda de função das mãos). |
| Tuberculose Ativa | A especificidade “ativa” exclui a tuberculose latente ou calcificada sem repercussão clínica atual. |
4. O CONTEXTO MILITAR: A DESCONSTRUÇÃO DO MITO DA “REFORMA”
Um segmento específico e frequentemente prejudicado pela interpretação literal da lei é o dos militares das Forças Armadas e Auxiliares (Polícias Militares e Bombeiros). O inciso XIV do art. 6º menciona textualmente “proventos de… reforma”. No estatuto militar, a inatividade divide-se em duas etapas:
- Reserva Remunerada: O militar encerra a carreira ativa, continua percebendo remuneração, mas permanece sujeito à convocação em casos de mobilização nacional ou guerra.
- Reforma: O desligamento definitivo do serviço ativo, dispensando-se o militar de qualquer obrigação de retorno, geralmente por idade limite ou invalidez física.
Durante décadas, a Fazenda Nacional sustentou a tese de que o militar na Reserva Remunerada não teria direito à isenção, pois a lei falava apenas em “reforma”. Argumentava-se que, estando na reserva, o militar não estava “aposentado” no sentido civil, mantendo um vínculo latente com a Força. Essa interpretação gerava uma iniquidade brutal: um oficial da reserva diagnosticado com câncer tinha seu imposto retido, enquanto um civil na mesma situação (aposentado) era isento.
4.1. A Virada Jurisprudencial e o Parecer PGFN nº 21/2018
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) rechaçou essa distinção semântica. A Corte Superior firmou o entendimento de que a Reserva Remunerada equivale à condição de inatividade para fins tributários. A “disponibilidade” do militar da reserva é uma eventualidade que não descaracteriza a natureza previdenciária de seus proventos. Excluir o reservista da isenção violaria o princípio da isonomia.
Diante da jurisprudência pacífica e reiterada desfavorável à União, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) emitiu o Parecer PGFN/CRJ nº 21/2018. Este documento é um marco administrativo. Nele, a Procuradoria reconhece que:
“A reserva remunerada equivale à condição de inatividade, situação contemplada no art. 6º, XIV, da Lei nº 7.713, de 1988, de maneira que são considerados isentos os proventos percebidos pelo militar nessa condição.”.
Com base neste parecer e na lista de dispensa de contestar e recorrer (art. 19 da Lei 10.522/2002), a própria Receita Federal e os órgãos pagadores (Ministério da Defesa) estão vinculados a aceitar a isenção para militares da reserva.
5. SÚMULA 627 DO STJ: O FIM DA EXIGÊNCIA DE CONTEMPORANEIDADE
Talvez o avanço mais significativo na proteção do contribuinte enfermo tenha sido a edição da Súmula 627 do STJ. Este enunciado sumular veio para corrigir uma distorção cruel praticada pela fiscalização tributária: a cassação da isenção baseada na “cura aparente”.
5.1. O Problema da “Cura” e a Manutenção do Benefício
A Receita Federal, amparada em atos declaratórios interpretativos, costumava (e, em alguns níveis administrativos, ainda costuma) exigir que o contribuinte provasse a “contemporaneidade dos sintomas”. Isso significava que um paciente que teve um câncer removido cirurgicamente há 5 anos e que, atualmente, apresenta exames de controle negativos (sem evidência de doença ativa), perdia a isenção. O Fisco raciocinava: “se não há tumor hoje, não há motivo para isenção hoje”.
O STJ desconstruiu essa lógica puramente biológica em favor de uma lógica social e econômica. A Corte entendeu que a isenção não visa apenas custear o tratamento da doença aguda, mas também mitigar os custos do acompanhamento crônico e compensar a redução da capacidade contributiva gerada pelo histórico da moléstia. O paciente “curado” de uma neoplasia ou de uma cardiopatia grave continua a ter despesas elevadas com exames de alta complexidade, medicamentos preventivos e acompanhamento médico rigoroso para evitar a recidiva.
5.2. O Enunciado da Súmula 627
Súmula 627, STJ: “O contribuinte faz jus à concessão ou à manutenção da isenção do imposto de renda, não se lhe exigindo a demonstração da contemporaneidade dos sintomas da doença nem da recidiva da enfermidade.”.
Este enunciado, publicado em 2019, vincula o Poder Judiciário e deve nortear a administração.
Análise de Caso e Aplicação: Imagine um magistrado aposentado que infartou em 2015, colocou três stents e hoje leva uma vida normal, assintomática, graças a medicamentos caros e monitoramento constante. Pela lógica antiga da RFB, ele estaria “curado” e deveria pagar IR. Pela Súmula 627, a cardiopatia grave é um fato histórico indelével em seu prontuário. A ausência de sintomas atuais (dispneia, angina) não retira o direito à isenção, pois a “gravidade” da doença reside justamente no risco latente e na necessidade de controle perene. O advogado deve utilizar a Súmula para blindar o cliente contra revisões fiscais que busquem “reavaliar” a doença baseando-se apenas no estado clínico momentâneo.
6. A REVOLUÇÃO PROCESSUAL: O TEMA 1373 DO STF E O PRÉVIO REQUERIMENTO
A litigância tributária em matéria de isenção de IR sofreu uma mudança tectônica com o julgamento do Tema 1373 da Repercussão Geral pelo Supremo Tribunal Federal (STF), finalizado em outubro de 2025. Este tema enfrentou o dilema do “interesse de agir” versus o princípio da inafastabilidade da jurisdição.
6.1. O Conflito: Eficiência Administrativa x Acesso à Justiça
A União, em sua defesa processual padrão, arguia preliminarmente a carência de ação por falta de interesse de agir quando o contribuinte ajuizava a ação de isenção diretamente no Judiciário, sem antes ter provocado a via administrativa (Receita Federal). O argumento era de que o Judiciário não poderia ser transformado em “balcão de atendimento” e que a Administração deveria ter a chance de analisar o pedido primeiro.
Muitos juízes federais acolhiam essa tese, extinguindo processos sem resolução de mérito e forçando o advogado a submeter seu cliente — muitas vezes idoso e doente — à burocracia morosa da RFB, aguardando meses por uma perícia oficial que, invariavelmente, negaria o pedido com base em critérios restritivos.
6.2. A Tese Firmada no Tema 1373 (STF)
O STF, no Leading Case RE 1.525.407/CE, pôs fim a essa exigência. A Corte Suprema reafirmou a jurisprudência dominante e fixou a seguinte tese vinculante:
“O ajuizamento de ação para o reconhecimento de isenção de imposto de renda por doença grave e para a repetição do indébito tributário não exige prévio requerimento administrativo.”.
6.3. Fundamentação e Impacto Estratégico
A decisão baseia-se no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. O STF reconheceu que a resistência do Fisco é, em muitos casos, presumida (pela notória rigidez das normas infralegais da Receita, como a exigência de laudo oficial com prazo de validade, contrariando a Súmula 627 do STJ). Exigir o prévio requerimento seria impor uma via crucis desnecessária e inconstitucional ao cidadão hipervulnerável.
Isso é vital em casos onde a doença é clara para a medicina (ex: cardiopatia grave controlada), mas rejeitada pela perícia administrativa que exige sintomas agudos. O acesso direto ao Judiciário garante que o caso será analisado sob a ótica da Súmula 627 do STJ, e não sob a ótica restritiva das Instruções Normativas da RFB.
7. DIREITO PROBATÓRIO: A DESMISTIFICAÇÃO DO LAUDO OFICIAL
Um dos maiores obstáculos enfrentados pelos contribuintes é a crença — fomentada pela Receita Federal — de que apenas um Laudo Médico Oficial (emitido por médico da União, Estado ou Município) tem valor legal para a isenção. Este entendimento baseia-se no art. 30 da Lei nº 9.250/1995.
Contudo, o sistema processual brasileiro adota o princípio do livre convencimento motivado do juiz (art. 371 do CPC). O magistrado não está adstrito ao laudo oficial, nem mesmo ao laudo pericial judicial, podendo formar sua convicção com outros elementos de prova constantes nos autos.
7.1. A Jurisprudência sobre a Prova
O STJ consolidou a tese de que o laudo oficial é exigível apenas no âmbito administrativo (para que a fonte pagadora conceda a isenção de ofício). Em juízo, a doença pode ser provada por:
- Laudos de médicos particulares;
- Exames laboratoriais e de imagem (biópsias, ecocardiogramas, ressonâncias);
- Histórico de internações;
- Perícia médica judicial.
A decisão judicial que reconhece a doença com base em laudos particulares supre a ausência do laudo oficial. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), por exemplo, possui jurisprudência farta (Súmula local e julgados) afirmando que “os laudos médicos originários de hospitais da rede pública [ou particulares idôneos] são prova eficiente e suficiente da moléstia”, não ficando o juiz refém da burocracia oficial.
8. ASPECTOS TEMPORAIS: TERMO INICIAL E REPETIÇÃO DE INDÉBITO
Uma vez reconhecido o direito, a partir de quando ele vigora? E como recuperar o que foi pago indevidamente?
8.1. O Termo Inicial da Isenção: Data do Diagnóstico
A Receita Federal costuma fixar a data de início da isenção na data da emissão do laudo oficial. Isso é prejudicial, pois o paciente pode ter sido diagnosticado em 2018, mas só conseguiu o laudo oficial em 2024.
O Judiciário corrige essa distorção. O termo inicial da isenção é a data do diagnóstico da doença (comprovada por exames originais), e não a data do laudo pericial posterior. A doença é um fato biológico preexistente à sua constatação burocrática.
8.2. A Repetição do Indébito e a Prescrição Quinquenal
O contribuinte tem direito à restituição (repetição de indébito) de todos os valores de Imposto de Renda retidos na fonte ou pagos via DARF/Ajuste Anual, retroagindo aos últimos cinco anos contados da data do ajuizamento da ação (prescrição quinquenal, conforme LC 118/2005).
Correção Monetária e Juros:
A atualização desses valores é feita exclusivamente pela Taxa SELIC, que engloba juros e correção monetária, a partir de cada pagamento indevido (retensão mensal ou pagamento da quota). Não se aplica juros de mora de 1% ao mês cumulados com SELIC, sob pena de bis in idem.
Aplica-se aqui o teor das Súmulas 162 (“Na repetição de indébito tributário, a correção monetária incide a partir do pagamento indevido“) e 188 (“Os juros moratórios, na repetição do indébito tributário, são devidos a partir do trânsito em julgado da sentença“) do STJ.
9. CONCLUSÃO: O CAMINHO PARA A EFETIVAÇÃO DO DIREITO
A isenção de imposto de renda para portadores de moléstias graves no Brasil evoluiu de um benefício burocrático e restritivo para um direito subjetivo robusto, blindado por precedentes vinculantes das Cortes Superiores.
A tríade formada pelo Art. 6º, XIV da Lei 7.713/88 (base material), Súmula 627 do STJ (garantia da manutenção do benefício pós-tratamento) e Tema 1373 do STF (garantia de acesso imediato à justiça) constitui o arcabouço protetivo do contribuinte enfermo.
Para o advogado tributarista, o cenário atual exige proatividade. Não se deve aceitar a negativa administrativa passivamente. A desconstrução dos mitos da “cura”, da “reforma militar exclusiva” e do “laudo oficial único” é plenamente viável na via judicial. A advocacia, neste nicho, cumpre seu papel mais nobre: assegurar que a dignidade da pessoa humana prevaleça sobre a voracidade arrecadatória do Estado, garantindo que os recursos vitais permaneçam com quem deles necessita para sobreviver.