Por Daniel Marinho, Advogado Tributarista.
A saúde é um setor vital, mas a pesada carga tributária brasileira frequentemente compromete a capacidade de investimento de clínicas e consultórios. No entanto, o planejamento tributário oferece um alívio significativo por meio da Equiparação Hospitalar — um benefício legalmente consolidado que permite a redução drástica das bases de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Para clínicas médicas e centros de saúde que operam sob o regime do Lucro Presumido, a aplicação correta deste mecanismo é estratégica. O que era tributado a 32% (regra geral para serviços) pode cair para 8% (IRPJ) e 12% (CSLL), liberando um capital significativo para o crescimento e a modernização.
Mas, como advogado tributarista, é meu dever alertar: o acesso a esse benefício está condicionado ao cumprimento de requisitos materiais, societários e regulatórios. A falha em qualquer um deles anula a economia.
1. A Exigência Material: O Que Realmente Conta é o Serviço
A Receita Federal historicamente tentou restringir o benefício apenas a hospitais com grande estrutura. Contudo, essa visão formalista foi superada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Tema 217 (REsp nº 1.116.399/BA).
O STJ pacificou o entendimento de que a equiparação se dá pela natureza do serviço, e não pela estrutura física. São considerados elegíveis aqueles serviços “vinculados às atividades desenvolvidas pelos hospitais voltados diretamente à promoção da saúde”, ou seja, que exigem aparato técnico e organizacional complexo (como cirurgias ambulatoriais, Day-Hospital ou diagnósticos avançados).
A Segregação é Inegociável: O benefício não alcança as simples consultas médicas. Clínicas que prestam serviços mistos (consultas e procedimentos complexos) têm o dever legal de segregar rigorosamente as receitas elegíveis, sob pena de ver toda a receita tributada pela alíquota maior de 32%.
2. O Imperativo Sanitário: O Selo de Qualidade da ANVISA
O ponto de convergência entre o direito tributário e o regulatório sanitário é a conformidade com a ANVISA. O cumprimento das normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e a posse do Alvará de Funcionamento válido e compatível com a complexidade dos procedimentos são requisitos fiscais obrigatórios.
A licença sanitária é a prova material e técnica, perante o Fisco, de que a clínica possui a estrutura mínima e o compliance operacional de um serviço de saúde de complexidade equiparável à hospitalar. A ausência ou a inadequação dessa licença é um motivo de glosa imediata do benefício.
3. O Risco Societário: Sociedade Empresária e a Flexibilização do CARF
A Lei nº 9.249/95 exige que a prestadora de serviços esteja organizada sob a forma de Sociedade Empresária. A fiscalização da Receita Federal (RFB) tipicamente exige o registro na Junta Comercial, autuando as Sociedades Simples registradas apenas em cartório.
Entretanto, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) tem mitigado esse formalismo. Em julgamentos recentes, o CARF tem priorizado a “verdade material” da atividade. Se a clínica estiver organizada de fato como uma empresa, com bens e serviços agrupados, ela pode ter o benefício reconhecido, mesmo sem o registro formal de Sociedade Empresária.
Recomendação: Embora o contencioso administrativo ofereça defesa, a adequação preventiva para o formato de Sociedade Empresária e a revisão detalhada do Contrato Social são a prática mais segura para evitar autuações iniciais.
A Estratégia de Compliance e a Recuperação de Créditos
A Equiparação Hospitalar não é apenas uma economia; é uma decisão de gestão de riscos. A segurança jurídica do benefício reside na Tripla Prova de Compliance:
- Compliance Material: Comprovar a natureza dos serviços (complexidade) e segregar as receitas.
- Compliance Sanitário: Manter a licença da ANVISA e a estrutura sempre adequadas.
- Compliance Societário: Estar formalmente organizado como Sociedade Empresária (melhor prática).
Para clínicas que já cumpriam esses requisitos no passado, mas pagavam impostos com a base de 32%, é possível pleitear a recuperação de créditos (IRPJ e CSLL) pagos indevidamente nos últimos cinco anos, corrigidos pela taxa SELIC.
A tributação no setor de saúde exige um olhar técnico e profundo que harmonize o Direito Tributário, o Societário e o Regulatório. Se sua clínica presta serviços complexos, uma análise especializada é o primeiro passo para transformar essa oportunidade legal em uma vantagem competitiva real e sustentável.
Daniel Marinho é advogado tributarista, especializado em planejamento fiscal e contencioso tributário estratégico para empresas de saúde. Consulte nosso escritório em https://danielmarinho.adv.br/ para uma análise detalhada da elegibilidade e implementação da Equiparação Hospitalar em seu negócio.